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quarta-feira, 21 de maio de 2014

Ucrânia: Dmitro Firtash, elemento isolado da república dos oligarcas

Dmitro Firtash
Deve-se desconfiar de uma pessoa que alegue sempre dizer a verdade. Sobretudo quando sua fortuna deve tudo à falta de transparência de seus negócios. Durante anos, Dmitro Firtash esteve no centro das relações entre a Rússia e a Ucrânia quanto à questão do gás. Hoje, o fundador da empresa RosUkrEnergo, junto com a gigante Gazprom, tem tentado influenciar na crise sem precedentes que seu país vem atravessando nos últimos três meses. O que não é nada fácil, uma vez que ele se encontra exilado na Áustria. Logo, é frustrante que seus ricos colegas estejam gozando de uma influência renovada em meio ao caos da era pós-Viktor Yanukovitch.


Dmitro Firtash foi preso no dia 12 de março em Viena, por meio de um mandado de prisão dos Estados Unidos. Enquanto esperava uma decisão sobre sua extradição, o empresário pagou 125 milhões de euros de fiança para sair da prisão. Além de seus vários guarda-costas, Firtash cercou-se de uma rede de advogados e assessores para contestar o processo. Ele também pretende obter uma indenização pelos prejuízos sofridos por seu Grupo DF – "centenas de milhões de dólares" –, presente na indústria química, no setor de gás, de energia,  na mídia e no setor imobiliário.

"Entendi que eu estava isolado, mas vivo", explica o oligarca, que recebeu o "Le Monde" na sexta-feira (16), nos escritórios de uma de suas empresas de consultoria, em Viena. "Reconfigurei meu cérebro, me organizei." Firtash tem se envolvido à distância nas questões públicas da Ucrânia, por questões de sobrevivência, para evitar a falência. Suas usinas químicas na Crimeia, por exemplo, têm enfrentado graves dificuldades: Moscou exige que elas sejam registradas na Federação para fins de tributação até o final de maio. Já suas fábricas no leste tiveram seu funcionamento suspenso.

Suspeitas de propinas pagas na Índia
Afável e direto, Dmitro Firtash afeta transparência, alternando entre autoconfiança e negação. Ele se recusa a abordar dois pontos: o primeiro, a conselho de seus advogados americanos, é o cerne dos processos abertos contra ele por suspeitas de propinas de até US$ 18,5 milhões (cerca de R$ 40 milhões) pagas na Índia, que ele considera "políticos". O segundo é o seu apoio ao grande favorito à eleição presidencial do dia 25 de maio, o oligarca Petro Poroshenko, presidente da fabricante de doces Roshen.

Este último foi até Viena e se encontrou com Firtash, acompanhado do boxeador Vitali Klitschko, líder do partido Udar. Os três fecharam uma aliança. Klitschko se retirou da disputa, preferindo se candidatar à prefeitura de Kiev.

"Todos os oligarcas encontraram uma língua em comum com Poroshenko, pois ninguém tem interesse em entrar em conflito com o futuro presidente", explica Serhyi Leshchenko, repórter do "Ukrainska Pravda". "Dito isso, Poroshenko não pensava que Firtash usaria publicamente o encontro deles para mostrar sua influência e tentar proteger suas empresas."

"A plebe não construirá jamais um Estado"
Assim como todos os oligarcas, Dmitro Firtash enxerga a realidade de forma distorcida. Eles só detectam as relações de força e as intrigas, o povo não passa de um figurante distante. "A plebe não construirá jamais um Estado", ele diz.

Seu resumo da vida política é brutal e não fala sobre seu próprio papel: "Existem dois clãs principais, o de Donetsk e o de Dnipropetrovsk. Eles começaram na criminalidade, depois penetraram no mundo empresarial e na política. Então, em 23 anos conhecemos dois partidos políticos: o Partido das Regiões e o BYuT (Bloco de Yulia Timoshenko). Eles tiveram primeiros-ministros, candidatos à presidência. Vivíamos em um Estado, uma máquina pós-soviética, onde tudo era centralizado. Pouco importa quem estava no poder: uma vez lá, ele destruía o outro. Hoje, esse sistema não funciona mais. O país não pode mais ser refém desses dois clãs."

Na realidade, é preciso contar além desses dois. Na Ucrânia, existe um pluralismo oligárquico, ameaçado pela concentração de riquezas e de poder pelo clã Yanukovitch, de quem Dmitro Firtash era aliado. A fuga do ex-presidente, no final de fevereiro, provocou uma reconfiguração. Kiev teve de terceirizar o controle das regiões complicadas, ao sul e ao leste, para aqueles que tinham o dinheiro, as estruturas e as redes: os oligarcas. Vários deles se recusaram, como Viktor Pintchuk em Zaporijia. Outros, como Serguei Taruta, cogitado para Lugansk e por fim nomeado para Donetsk, viram ali uma nova empreitada.

Mas em Donetsk, capital de uma Bacia do Donets à deriva, quem continua mandando é Rinat Akhmetov. Ele procurou apagar sua proximidade com Viktor Yanukovitch, cujo advento ele havia facilitado. Dessa forma, ele se impôs em um papel ambíguo de mediador diante dos separatistas, ao mesmo tempo em que defendia a unidade do país.

Oligarcas que viraram patriotas
Alguns dias atrás, ele tomou a decisão, bem tardia, de formar patrulhas de empregados de sua usina metalúrgica em Mariupol para restabelecer a ordem, após confrontos sangrentos. "Nunca sabemos o que Akhmetov está pensando", explica outro oligarca, na Ucrânia. "Quando ele joga 50 partidas de cartas, ele se lembra de todas as combinações. É o mais inteligente de nós. Seu interesse é de que a Bacia do Donets permaneça na Ucrânia, senão será um desastre econômico."

E eis que os oligarcas se transformaram em patriotas. Mas, nos bastidores, as antigas disputas continuam. Dmitro Firtash se associou a Petro Poroshenko para enfrentar uma inimiga em comum: Yulia Timoshenko. A ex-primeira-ministra, desde que saiu da prisão graças à destituição de Yanukovitch, vem sonhando com uma revanche eleitoral, apesar de uma popularidade declinante.

Há um passado repleto de ódio entre ela e Dmitro Firtash. Yulia Timoshenko seria uma "agente do Kremlin" que "tentou sua vida inteira me roubar", explica o oligarca, cuja própria proximidade com Moscou, através da Gazprom, sempre foi evidenciada.

"Ela ganhou seu dinheiro na Ucrânia, nas costas do país, depois o tirou do país para colocar em contas em paraísos fiscais", ele diz. "Ela diz ser pobre e infeliz, que sua casa pertence à sua tia, mostra uma declaração de renda incompatível."

Segundo Firtash, Timoshenko estaria buscando a qualquer preço impedir a realização da eleição presidencial do dia 25 de maio, dividindo esse objetivo com Igor Kolomoisky, o diretor do grupo Privat, que se tornou governador de Dnipropetrovsk. Mas este último parece que agora tem seu jogo próprio, ao se reivindicar como novo líder do Sudeste.

A próxima etapa do controle da Ucrânia pelos oligarcas será sua federalização, que também é exigida por Moscou. Todos têm interesse em limitar as prerrogativas de Kiev. Dmitro Firtash, que controlou até 40 deputados dentro do Partido das Regiões, pretende ter um papel construtivo. Ele chegou a se oferecer como facilitador ou intermediário nas negociações entre a Ucrânia e a Rússia. Ninguém levou essa iniciativa a sério.

No entanto, o oligarca diz que pretende reunir em Viena diferentes atores do conflito. "Como podemos conduzir uma mesa redonda em Kiev sem convidar representantes do Leste? Eles podem não me agradar, mas eles fazem da história em andamento."

Segundo ele, seria preciso negociar o mais rápido possível com Vladimir Putin. "Ele procedeu com a anexação quando foi ameaçado de sanções. Hoje, ele está encurralado, diante do mundo inteiro. É preciso lhe estender a mão em vez de atacá-lo."

Dmitro Firtash defende uma ampla descentralização que permitiria às regiões conservarem "50% a 60% das receitas orçamentárias", contra os atuais 15%. Ele também quer que a Ucrânia adote um regime parlamentar. Quanto ao grande plano geopolítico, o oligarca o descarta firmemente. O país deverá se tornar uma "ponte" entre a União Europeia e a Rússia. "A Ucrânia precisa ser forte, neutra e independente. Está na moda dizer que é preciso ir à direção da UE ou da União Alfandegária. Eu digo que devemos ficar onde estamos."

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