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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Rússia redesenha as linhas da diplomacia

Por décadas, os protagonistas da Guerra Fria mantiveram grande parte do mundo no lugar, apagando incêndios locais para não se tornarem o estopim da conflagração entre duas poderosas potências nucleares. E quando essa era fria terminou com a implosão da União Soviética, muitos passaram a falar repentinamente em um mundo monopolar, no encalço de uma América em crescimento.

Nos últimos dias, com a reaproximação ainda não testada entre a Rússia e o governo Obama em torno da Síria --somada à igualmente abrupta e igualmente incerta abertura de Washington em relação ao Irã--, os cálculos familiares mudaram.

Apesar de ninguém estar falando sobre um retorno do impasse perigoso da Guerra Fria, a Rússia ganhou bastante terreno na sua busca por se restabelecer como contrapeso para os Estados Unidos, refletindo o antigo desejo do presidente Vladimir Putin de restaurar a influência de seu país.

Além disso, o trabalho hábil de Moscou em elaborar um acordo com Washington para livrar a Síria de seu arsenal de armas químicas colocou de lado alguns dos parceiros europeus dos Estados Unidos, enquanto o nascente cortejo do presidente Obama com a nova liderança iraniana incomodou os aliados tradicionais no mundo árabe e em Israel, há muito habituados a explorar a hostilidade mútua entre os Estados Unidos e o Irã.

"Não há dúvida de que os russos sentem que conseguiram uma grande vitória", disse Ian Bond, especialista em política exterior do Centro para Reforma Europeia, uma organização de pesquisa em Londres. "Nós nos acostumamos a uma agenda internacional negativa" de Moscou, disse ele.

Sergei Lavrov, o ministro das Relações Exteriores russo, era visto no Ocidente como o "sr. Nyet", disse Bond, permanecendo persistentemente no caminho dos esforços do Ocidente para pressionar o presidente da Síria, Bashar Assad, o principal aliado regional de Moscou.

"E de repente", ele disse, "você tem uma diplomacia bem apta", rechaçando os preparativos do governo Obama para um ataque militar punitivo em resposta ao uso de armas químicas na guerra civil da Síria.

Com frequência a diplomacia é um jogo de sombras e nuances, símbolos e sinais, e as manobras russas pareceram mudar ao menos a imagem da diplomacia regional desde os levantes árabes do início de 2011.

Na turbulência da Líbia, França e Reino Unido assumiram a liderança em uma campanha aérea que acelerou o fim do coronel Muammar Gaddafi. Na Síria, a França foi a primeira potência ocidental a reconhecer os rebeldes que buscavam derrubar Assad, instigando os Estados Unidos a fazerem o mesmo. Nos preparativos para um possível ataque contra a Síria, após os ataques com armas químicas de 21 de agosto, os Estados Unidos buscaram o apoio da Europa Ocidental, enquanto Rússia e China expressavam oposição.

Então veio a iniciativa russa, levantando a possibilidade de uma negociação mais ampla na Síria sob condução russa e americana. Isso também deixou os europeus, disse Bond, "aparentemente de lado no processo político" no conflito, a meros 160 quilômetros do posto avançado mais próximo da União Europeia, em Chipre.

O Reino Unido, é claro, em grande parte se excluiu do processo quando seu Parlamento se recusou a autorizar a participação em um ataque, deixando a França sozinha entre as potências europeias pressionando por uma ação robusta.

Mas o desejo francês de manter a ameaça de uma ação militar para fortalecer a diplomacia "foi marginalizado pela entente das duas grandes potências", disse Pierre Haski, cofundador do site de notícias "Rue89", em Paris. Sem apoio do restante da Europa, a voz da França teve pouco peso --"um despertar doloroso", concluiu Haski.

Agora se fala em um novo esforço para convocar negociações de paz em Genebra, mas o tabuleiro de xadrez regional mudou a favor de Assad.

Como os diplomatas ocidentais há muito descobriram em Damasco, os negociadores sírios raramente piscam, hesitam ou movem suas mãos. Eles jogam uma estratégia de longo prazo que explora cada fissura de vantagem. "A única certeza" após semanas de crise, disse Haski, é que o governo Assad, que parecia tão próximo de se tornar alvo de ataques militares franceses e americanos desestabilizadores, "reencontrou um espaço inesperado de manobra".

Ao mesmo tempo, Washington corre o risco de ser atraído para um processo que, segundo o colunista Andreas Ross do jornal alemão "Frankfurter Allgemeine Zeitung", "nem pune e nem enfraquece Assad, mas o eleva a uma posição de parceiro de negociação".

Se isso não bastasse para mudar a equação, os movimentos de um possível novo alinhamento de Washington com o Irã injeta imponderabilidades adicionais, especialmente por Teerã ser o principal aliado regional de Assad e patrocinador da milícia muçulmana xiita Hizbollah no Líbano, em um nexo de rivalidades cada vez mais tóxicas entre muçulmanos sunitas e xiitas.

Os países árabes podem discordar publicamente de Israel nos assuntos mais fundamentais, mas, privativamente, os governantes sunitas tradicionais parecem compartilhar parte do alarme de Israel com a diplomacia de Obama com o Irã em grande parte xiita, realizada até o momento por meio de troca de cartas e um telefonema, em vez de quaisquer discussões substanciais.

Enquanto o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, viajava para Washington nesta semana, seus alertas para Obama sobre os riscos de uma aproximação com Irã ecoavam as preocupações dos vizinhos árabes de Teerã por todo o Golfo.

Alguns europeus também sentiram vulnerabilidades na habilidade de Washington de montar o quebra-cabeça redesenhado.

"Os Estados Unidos não estão mais em posição de moldar o Oriente Médio sozinhos. Isso ficou espetacularmente claro na Síria", escreveu Ulrich Ladurner, um editor de política do semanário alemão "Die Zeit", no site do jornal. "Obama precisou da ajuda da Rússia no labirinto sírio. Os Estados Unidos precisam de parceiros."

Mas a prontidão e a habilidade da Rússia em sustentar a parceria não estão claras.

"Ainda veremos se durará", disse Bond, em Londres.

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