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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Iêmen: à beira da guerra

A decisão da Câmara dos Comuns britânica de rejeitar uma ação militar contra a Síria foi a decisão certa e será saudada muito além das fronteiras daquele país conturbado. Os mais de 2 milhões de refugiados e 5 milhões de desalojados dentro das fronteiras da Síria desde o início do conflito compõem um retrato angustiante. Altere um pouco esses números, no entanto, e você poderia estar se referindo ao país onde eu nasci, o Iêmen.


Meus pais, originários do estado indiano de Goa, se estabeleceram no sul do Iêmen, da mesma maneira que fizeram muitas pessoas de origem indiana. Eles viajaram até o Golfo Pérsico para encontrar trabalho. O Iêmen e seu povo sempre gostaram de política. Uma das minhas primeiras lembranças é assistir uma manifestação da janela da casa da minha avó. A multidão estava pedindo a demissão de uma professora que havia quebrado algum tipo de tabu. Até hoje eu me lembro dos gritos das pessoas que diziam "vá para casa, senhora Petree". É por isso que, embora eu esteja surpreso com a reação em cadeia e com a resposta draconiana do presidente sírio, Bashar Assad, à insurreição em seu país, eu não estou surpreso que ela tenha gerado, em algum grau, reflexos no Iêmen. A Síria é um lembrete para outros países da região, que têm oscilado à beira da guerra civil.

O país que está mais próximo do penhasco é o Iêmen. Embora seja rico em história, atualmente o Iêmen é o país mais pobre do Oriente Médio. Mais de 40% dos iemenitas vivem com menos de US$ 2 por dia, 44 % são desnutridos e 5 milhões de pessoas necessitam de ajuda de emergência para sobreviver – uma crise humanitária significativa. A futura estabilidade do país e da região, permanece incerta.

A pobreza e a insegurança amplificam as divisões dentro da sociedade iemenita, e o país tem pobreza e insegurança em abundância. Desde o início do regime colonial até a época de minha partida, na década de 1960, o Iêmen tem se mostrado muito dividido. Diferentes comunidades sempre viveram lado a lado, e o país ainda conta com um complexo mosaico de tribos e interesses. Os exemplos de conflitos, reais e potenciais, são numerosos. O sul é dominado por elites rivais, criadas na época do ex-presidente Ali Abdullah Saleh, que ainda exerce o poder. O norte testemunhou confrontos violentos entre duas forças que não estão vinculadas ao governo: os Huthis, um grupo xiita zaidi, e os salafistas sunitas.

Durante a Primavera Árabe, as divisões na sociedade iemenita se aproximaram muito de seu ponto de ruptura. Confrontos armados entre as forças pró e contra o governo, envolvendo as forças de segurança e facções militares e tribais rivais em áreas da capital, Sanaa, resultaram em muitas mortes. O afastamento de Saleh e a eleição de Abd Rabbuh Mansour Hadi, em fevereiro de 2012, fez com que uma parcela suficientemente grande dessas facções se unisse para evitar um colapso que poderia resultar em uma guerra civil – mas o conflito não correu por pouco. Enquanto isso, os conflitos ideológicos e sectários prosseguem, e se as condições de vida e segurança das pessoas comuns, como eu já fui um dia, não melhorarem, a violência vai ressurgir.

Existem três principais áreas que precisam de atenção urgente do Reino Unido para que o Iêmen se transforme em um país estável. Em primeiro lugar, as questões humanitárias: um país com a segunda maior taxa de desnutrição do mundo precisa de ajuda. Eu acho ótimo que o Reino Unido tenha aumentado seu orçamento para auxiliar no desenvolvimento do Iêmen para mais de 60 milhões de libras esterlinas (R$ 199 milhões) este ano. Mas essa quantia é uma gota no oceano em comparação com os US$ 7,9 bilhões (R$ 16 bilhões) prometidos durante sucessivas conferências dos Amigos do Iêmen. No entanto, a verdadeira questão não tem a ver com a quantia prometida, mas sim com o total realmente enviado ao país – e a maior parte do dinheiro não chegou às mãos dos iemenitas. A Grã-Bretanha, com o seu conhecimento histórico sobre o país e seus assentos nas principais organizações internacionais, é o melhor mediador para garantir que qualquer quantia enviada ao país realmente chegue até aqueles que mais precisam.

A segunda área que precisa de atenção é a falta de ajuda econômica de longo prazo. Atualmente, o Reino Unido importa apenas 282 mil libras esterlinas (R$ 1 milhão) em produtos iemenitas e ainda não houve nenhuma decisão sobre quando os voos diretos e as transações comerciais significativas serão retomados. A Grã-Bretanha forneceu sistemas de segurança para o aeroporto de Sanaa, mas abandonou o projeto antes de treinar os operadores necessários para que o local pudesse ser utilizado – e isso poderia fazer uma diferença enorme. Eu liderei uma iniciativa que foi criada para promover laços econômicos entre a Grã-Bretanha e o Iêmen em um nível micro – passos pequenos podem ser eficazes no curto prazo. Mas é essencial traçar um roteiro macro para que se possam alcançar melhorias duradouras. Isso requer um compromisso sério por parte da Grã-Bretanha e de outros países. E se apenas removermos o lobo da porta do Iêmen já permitiremos que o país se concentre em se transformar num bastião de estabilidade nessa região desesperadamente volátil. E isso é de vital interesse para a Grã-Bretanha.

Em terceiro lugar, a segurança física precisa ser abordada. A paz inquieta criada nos últimos anos tem sido perturbada por ataques graves da Al-Qaeda, que tem explorado a Primavera Árabe para expandir seu poder na região. Em uma medida drástica, as embaixadas dos EUA e do Reino Unido foram fechadas recentemente devido a ataques anunciados a oleodutos e cidades-chave do país. Em vez de abandonar o Iêmen diante dessas ameaças, a Grã-Bretanha precisa se envolver ainda mais. Um dos pilares da estratégia "Prevenir" ("Prevent", a política de combate ao terrorismo do Reino Unido) do governo britânico é incentivar as nações estrangeiras a fim de facilitar a participação das comunidades no combate à radicalização. O Reino Unido tem alguns projetos fantásticos liderados por comunidades locais, e traduzir algumas das habilidades práticas desenvolvidas por esses projetos poderia ajudar as comunidades iemenitas a criarem um vínculo entre si e se unirem contra aqueles que aterrorizam seu país.

O Iêmen é um estado frágil e o risco de ele falhar é real. A segurança do Reino Unido está intrinsecamente ligada a países como o Iêmen, e ação contra a Síria teria sido um desastre. A Grã-Bretanha deve agir proativamente para impedir as mortes nas ruas de Sanaa agora e para evitar as mortes nas ruas de Londres no futuro. A Síria é uma lição salutar sobre as consequências do envolvimento inadequado e o Iêmen está em uma posição muito mais precária do que parecia ser o caso da Síria. O Iêmen não deve ser tratado como uma causa perdida. O país tem o potencial para se transformar num reduto de segurança na região. Vamos garantir que, nos próximos anos, nós possamos celebrar uma história de sucesso, e não lamentar outro desastre evitável no Oriente Médio.

(Keith Vaz é membro do Partido Trabalhista do parlamento britânico eleito por Leicester East e presidente do Grupo Parlamentar de Todos os Partidos do Iêmen).

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