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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Teria a Alemanha uma dívida de guerra com a Grécia?


Angela Merkel, chanceler alemã, discursa na sede da ONU 


“Os alemães, que estão relutando em financiar um segundo plano de socorro para a Grécia, deveriam se lembrar de tudo aquilo que eles pilharam nesse país durante a Segunda Guerra Mundial [...] Com os juros, são 81 bilhões de euros que eles devem a Atenas. Essa é uma outra maneira de ver a Europa e sua história”.

O homem que diz isso não é um ex-resistente grego, nem mesmo um membro da oposição grega - ele nem grego é. Trata-se do eurodeputado Daniel Cohn-Bendit, interpelando na quarta-feira (15) os dirigentes alemães no Parlamento europeu após a recusa da troika europeia em conceder um segundo plano de ajuda de 130 bilhões de euros a Atenas.

“Eles tomaram o dinheiro grego e nunca mais o devolveram”
Teria a Alemanha uma dívida de guerra em aberto com a Grécia? A pergunta pode parecer absurda, mas ela tem o mérito de reposicionar a crise da dívida que tem atravessado o continente europeu em um longo período. Acusados de maus pagadores, sufocados por vários planos de rigor, enervados pelas decisões alemãs, há cada vez mais gregos relembrando o passado de Berlim.

No início de 2010, durante uma viagem pela Alemanha, Theodoros Pangalos, então vice-premiê, havia lançado uma bomba nas ondas da BBC: “Eles tomaram as reservas de ouro do Banco da Grécia, eles tomaram o dinheiro grego e nunca devolveram. É um assunto que deverá ser abordado algum dia”. Em dezembro do mesmo ano, o ministro grego das Finanças, Philippos Sahinidis, foi mais longe ao calcular a dívida alemã para com seu país em 162 bilhões de euros, comparando com o montante da dívida grega que chegava a 350 bilhões de euros no final de 2011.

Mais recentemente, foi a vez do herói da Resistência Manolis Glezos, 89, conhecido por ter retirado a bandeira nazista da Acrópole em 1941, de pedir pelo pagamento do empréstimo imposto à Grécia pelo regime nazista. “Com os prejuízos de guerra”, que Atenas ainda se reserva o direito de reivindicar, “São 162 bilhões de euros, sem juros”, calcula.

Quanto deve a Alemanha? 81 bilhões, como diz Cohn-Bendit? 162 bilhões, de acordo com as reivindicações gregas? 68 bilhões, como afirma o “Le Point”? Ou nada, como sustenta Berlim? A batalha de números que cerca esta questão é proporcional à complexidade da situação.

Estamos em 1941. No dia 6 de abril, a Wehrmacht invadiu a Grécia. Ela permaneceria ali até 1944. Em sua obra “Na Grécia de Hitler” [“Inside Hitler’s Greece”], o historiador Mark Mazower afirma que a Grécia talvez seja o país que mais sofreu com o jugo nazista - depois da Rússia e da Polônia - e que ela passou por uma “pilhagem sistemática de seus recursos”. Em 1941, os nazistas impuseram ao Banco Central grego, assim como fizeram em outros países, um empréstimo de 476 milhões de reichsmarks a título de contribuição para o esforço de guerra.

Esse “empréstimo” nunca foi pago, pela simples razão de que ele não figura no acordo de Londres de 1953 que determina o montante das dívidas externas contraídas pela Alemanha entre 1919 e 1945. Para não repetir os erros do tratado de Versalhes e poupar esse novo aliado do Oeste diante da ameaça comunista, os Estados Unidos consentiram em reduzir a dívida da Alemanha pela metade. Solicitou-se às vítimas da Ocupação que elas esquecessem seus pedidos de reparação. O objetivo estratégico dos aliados era edificar uma Alemanha forte e serena, e não arruinada pelas dívidas e humilhada.

Washington conseguiu sobretudo dos países beneficiários do Plano Marshall que eles desistissem de exigir imediatamente o que lhes era devido, adiando possíveis reparações para um reunificação da Alemanha como parte de um “tratado de paz”. “A partir daí, a Alemanha teve plena saúde, enquanto o resto da Europa sofria para curar as feridas deixadas pela guerra e pela ocupação alemã”, resume o historiador da Economia Albrecht Ritschl, professor alemão da London School of Economics, em uma entrevista ao “Der Spiegel” (em versão francesa no “Courrier International”).

A Alemanha deu o calote três vezes
Esse adiamento permitiu que a República Federal da Alemanha vivesse um verdadeiro “milagre econômico”, o famoso Wirtschaftswunder, durante quatro décadas. E na hora de pagar a conta, Bonn deu um jeito de não honrar seus compromissos. O chanceler Helmut Kohl conseguiu de fato que o Tratado de Moscou de 1990 ratificando a reunificação não trouxesse a menção “tratado de paz”, uma das condições que figuravam no acordo de 1953 para possíveis pagamentos. “Era uma forma de continuar fugindo das reparações. “Na prática, o acordo de Londres de 1953 liberava os alemães da obrigação de pagar suas dívidas de guerra”, resume o jornal alemão.

Em outras palavras, o atual campeão econômico da zona do euro deu o calote três vezes ao longo do século 20: nos anos 1930, em 1953 e em 1990. “A Alemanha não pagou suas reparações após 1990 - com exceção das indenizações pagas aos trabalhadores forçados”, diz Albrecht Ritschl ao “Der Spiegel”. “Os créditos obtidos à força nos países ocupados durante a Segunda Guerra Mundial e os gastos associados à Ocupação tampouco foram pagos. À Grécia também não.” Mas “ninguém na Grécia se esqueceu de que a República Federal devia sua boa forma econômica aos favores consentidos por outras nações”, ele diz.

A República Federal indenizou a Grécia uma única vez: 115 milhões de marcos alemães (cerca de 58 milhões de euros). Foi em 1960, como parte de um acordo global com diversos países europeus e Israel. Desde então, a Alemanha acredita ter quitado sua dívida. Melhor ainda, ela não hesita em lembrar que ela “pagou desde 1960 cerca de 33 bilhões de marcos alemães em ajuda à Grécia, tanto de maneira bilateral como parte da União Europeia”. A isso se deve acrescentar que a Grécia recebeu mais de US$ 700 milhões da época como parte do Plano Marshall.

Cohn-Bendit: uma questão “moral”
Só que nesse período de crise continental, nem todo mundo, inclusive na Alemanha, se satisfaz com os imensos favores concedidos a Berlim após a guerra. Sufocados por suas dívidas e pressionados por Berlim a aplicar os planos de austeridade, há cada vez mais gregos querendo dividir parte de seu fardo com seus antigos invasores.

A soma de 162 bilhões de euros mencionada vai bem além do pagamento do empréstimo forçado, estimado entre 54 bilhões e 81 bilhões de euros. Além disso, ela engloba os 108 bilhões avaliados durante a Conferência Internacional de Paz em Paris para a reparação dos prejuízos causados pelas tropas nazistas à infraestrutura econômica do país.

Já Daniel Cohn-Bendit se coloca em um “plano moral”: “Os alemães, que se dizem virtuosos, acreditam que os gregos pecaram e que eles devem pagar. Ora, os que mais pecaram foram justamente os alemães, cuja dívida foi apagada porque os americanos viram ali um interesse estratégico. Por que não considerar que salvar a Grécia é algo estratégico, em vez de fazer esse país se pôr de joelhos?”


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