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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Novo presidente de região separatista da Moldávia substitui velha guarda soviética


Sopram ventos de mudança no Transdniéster [região administrativa da antiga República Socialista da Moldávia, na extinta URSS]. Os habitantes dessa região separatista não conseguem acreditar no que aconteceu nas últimas semanas: o septuagenário Igor Smirnov, seu líder autoritário durante mais de 20 anos, entregou de forma pacífica a presidência a Yevgueni Shevchuk, o antigo chefe do Parlamento, transformado no símbolo da esperança para os indignados com a degradação do regime existente na margem esquerda do rio Dniéster desde o fim da União Soviética.

Em 25 de dezembro passado, no segundo turno eleitoral, Shevchuk conseguiu 74% dos votos contra Anatoli Kaminski (20%), que era o candidato apoiado pelo Kremlin. Smirnov, para sua própria surpresa, foi eliminado no primeiro turno. Os poderes de fato que poderiam tê-lo apoiado - e nos quais, segundo uma fonte local, o veterano político buscou ajuda - tinham sido desativados por seus centros de controle reais em Moscou (no caso do Ministério da Segurança) e na Sherif, a maior empresa da região (no caso do Ministério do Interior).

Shevchuk, 43, tem boas intenções, mas para ele não será fácil satisfazer as expectativas que criou. Menos de 500 mil habitantes, na maioria eslavos, sobrevivem nessa região (pouco mais de 4 mil quilômetros quadrados), que não se submeteu aos exaltados nacionalistas pró-romenos dominantes há 20 anos na outra margem do rio.

No verão de 1992, a Moldávia tentou submeter pelas armas o Transdniéster, que repeliu o ataque até que o general russo Alexandr Lebed separou de forma enérgica os combatentes. Desde então, em virtude de acordos assinados pelo presidente russo Boris Ieltsin e o moldavo Mircea Snegur, pacificadores desses dois países montam guarda nas zonas de conflito ao longo do Dniéster. Durante anos - até agora sem resultado - vêm realizando negociações no quadro 5+2 (Rússia e Ucrânia e a OSCE como garantias; UE e EUA como observadores; e Moldávia e Transdniéster como partes do conflito). Com Shevchuk aparecem novas perspectivas de abordar o problema, mas no entorno de Smirnov temem que o "rodízio de gerações" represente o fim da "velha guarda que construiu sua identidade em torno da resistência à Moldávia".

"A vitória da oposição nas eleições indica que estamos democratizando nossas vidas. As eleições
fortaleceram o Transdniéster como Estado", diz Shevchuk, que em uma entrevista a "El País" promete mais participação na gestão pública para seus concidadãos. O presidente aposentou os dinossauros do regime, entre eles o ministro da Segurança, Vladimir Altufeiev, que tentou desacreditar Shevchuk apresentando-o como um agente da Moldávia. Shevchuk também se cercou de uma equipe jovem e com várias mulheres, entre elas a ministra das Relações Exteriores, Nina Shtanski.

"A situação não é simples", afirma Shevchuk, "porque somos herdeiros de tudo de bom e tudo de ruim, e precisamos de tempo para desenvolver o primeiro e localizar e transformar o segundo". O déficit orçamentário de 65%, a emigração (200 mil habitantes a menos desde 1992) e a pobreza crescente são as principais dificuldades econômicas que enfrentam "como consequência de fatores internos e externos", salienta. Entre os internos, Shevchuk cita a burocracia e a excessiva regulamentação da economia.

Desde que foi eleito, o presidente evita criticar a corrupção gerada em torno da família de seu antecessor, Igor Smirnov, e também o papel da empresa Sherif, proprietária dos melhores negócios locais, dos postos de gasolina aos supermercados, passando pelas telecomunicações móveis e fixas, a fábrica de conhaque

Kvint e a têxtil Tiratex, panificadoras, emissoras de rádio, a equipe de futebol e seu estádio.
"As empresas agiram como as autoridades as deixaram agir. Agora houve mudanças à frente do Transdniéster e formaremos o governo com outros enfoques. Tentaremos corrigir a situação sem precipitação, criaremos outras condições e facilitaremos o aparecimento de novos fatores econômicos.

Esperamos que todos entendam que a concorrência é de interesse comum", diz Shevchuk de forma abstrata.

"Seria muito desestabilizador lutar frontalmente com a Sherif, que traz uma boa parte do orçamento e representa muitos postos de trabalho", afirma um analista que prefere não ser citado. "A Sherif fortaleceu seu monopólio durante duas décadas, dita preços e afoga os concorrentes", diz uma funcionária. O ex-ministro das Relações Exteriores Valeri Litskai, por sua vez, opina que "a Sherif também evolui e se transformou em uma holding industrial com amplos interesses. No mundo há muitos exemplos de como regular um monopólio". Os principais políticos do Transdniéster, na presidência e no Parlamento, são ou foram "personagens do planeta Sherif", afirma o ex-ministro.

Os diretores da Sherif, Victor Gushan e Ilia Kazmali, procedem dos órgãos policiais, como o próprio Shevchuk, que foi funcionário do Ministério do Interior de 1992 a 1998 e ocupou um cargo de direção na Sherif. Os três se conhecem bem e trabalharam juntos. Quando Shevchuk era chefe do Parlamento (2005-2009), a Sherif se beneficiou das privatizações. Agora o presidente afirma que não pretende "lutar" com ninguém, senão colaborar "de forma construtiva com todas as empresas".

Shevchuk quer promover a pequena e média empresa e "melhorar a situação paulatinamente". Para começar, simplificou os trâmites para que os cidadãos comuns possam viajar e comercializar entre as duas margens do Dniéster. Outras medidas anunciadas incluem responsabilidades pelo uso da terra agrícola sub-utilizada e a possibilidade de reestatizar as empresas que não cumprirem as condições de sua privatização.
O Transdniéster sofre de "falta de reconhecimento internacional", a "política da Moldávia e Ucrânia" e a crise financeira internacional que afetou a demanda pelas mercadorias locais (produtos metalúrgicos, cabos, têxteis, licores, entre outros). Apoiada pela Moldávia e a Ucrânia, a UE mantém uma missão de vigilância na fronteira do Transdniéster com a Ucrânia, país que desde 2006 exige o selo da alfândega moldava nas mercadorias do Transdniéster.

A geografia obrigou as empresas da região separatista a submeter-se, mas, dada a localização ocidental das alfândegas moldavas, as mercadorias na direção da Ucrânia e da Rússia têm de percorrer 500 quilômetros a mais para passar na inspeção aduaneira, o que encarece os produtos do Transdniéster e obrigou algumas empresas com mercados no leste a fechar suas portas, diz Shevchuk. "A UE poderia ajudar o Transdniéster a viver neste século, e não no 18. Por exemplo, poderia abrir a fronteira com a Ucrânia para que pudéssemos exportar nossas mercadorias para a Rússia e países da CEI. Bastaria uma decisão política", acrescenta.

Este ano começou mal para Shevchuk, porque na madrugada do Ano Novo um moldavo de 18 anos foi morto em um controle na zona de conflito. O moldavo saltou duas vezes os controles na zona de segurança que separam as duas comunidades e derrubou algumas barreiras antes de ser atingido pelos tiros de um pacificador russo. Depois do ocorrido, a Moldávia insiste em substituir a missão pacificadora russa na área de conflito por um contingente internacional submetido à OSCE.

Em 2009 Rússia e Moldávia concordaram em substituir a missão pacificadora por um contingente internacional, mas só depois que se regulamente o estatuto do Transdniéster. Litskai acredita que com o incidente Chisinau [capital moldava] põe à prova o novo presidente. Shevchuk acusa as autoridades moldavas de "utilizar uma tragédia humana para destruir as bases do mecanismo que garante que não se empreenderão ações armadas". "Somos categoricamente contra mudar o formato da operação pacificadora. Não há fundamento para reexaminá-la porque não há um acordo político que possa servir de base para uma regulamentação final." Em fevereiro, em Dublim, continuarão as negociações 5+2.

Aos problemas de cunho bilateral (situação da língua russa, participação nos órgãos de representação política, estruturação unitária ou federal do Estado) somam-se os problemas geoestratégicos. A Rússia quer que o Transdniéster se solucione como "uma autonomia o mais ampla possível" dentro da Moldávia, mas pede garantias de que esse Estado continuará sendo neutro e não será absorvido pela Otan; UE, EUA e Moldávia querem que o grupo militar russo no Transdniéster (encarregado da custódia de arsenais da União Soviética) abandone a região. A Moldávia não está em bom momento para negociar, já que a Aliança pela Integração Europeia, dominante no Parlamento, há anos não consegue eleger um presidente para substituir o comunista Vladimir Voronin, que terminou o mandato em 2009.


O Kremlin se cansou de Smirnov

Os interesses do pró-soviético e pró-russo Igor Smirnov e os do Kremlin divergiam cada vez mais desde 2008, quando Dmitri Medvedev chegou à presidência da Rússia. Aposentado do poder, Smirnov, um ex-diretor de fábrica, tolerava a cobiça de seus filhos, Oleg e Vladimir, e não garantia a boa administração do dinheiro que Moscou lhe enviava para pagar, entre outras coisas, US$ 15 de complemento às esquálidas aposentadorias dos habitantes do Transdniéster com passaporte russo (mais de 100 mil).

Como se fosse pouco, Smirnov se transformou em um estorvo para Medvedev quando este - depois de enfrentar a comunidade internacional ao reconhecer a Abcázia e a Ossétia do Sul como Estados -, quis resolver depois ao gosto de todos pelo menos um dos quatro "conflitos congelados" deixados pela União Soviética (o quarto é a região do Alto Carabak). Já na primavera de 2008, quando o Kremlin já havia realizado projetos de reconhecer a Abcázia e a Ossétia do Sul, os representantes máximos da política externa russa "foram muito claros e disseram que não reconheceriam a independência do Transdniéster", conta Valeri Litskai, que então era ministro das Relações Exteriores dos separatistas. "Smirnov se negava a aceitá-lo", acrescenta.

Assim que, quando chegaram as eleições presidenciais de dezembro, Moscou apostou no chefe do Parlamento, Anatoli Kaminski, personagem sem carisma e com má saúde, e lançou uma campanha contra Smirnov, aproveitando as veleidades de seu filho Oleg, a quem o comitê de investigação da Rússia acusou do roubo de 160 milhões de rublos de ajuda humanitária ao Transdniéster.

A família Smirnov, que tem residência e recursos em Moscou, temeu e teme por seu futuro, embora por enquanto não pareça que a Rússia nem Shevchuk vão continuar a persegui-los se renunciarem à política. Shevchuk já aposentou Vladimir Smirnov como chefe da Alfândega, considerada uma das instituições mais corruptas da região separatista.

"Não vamos julgar os que estiveram antes de nós. O que aconteceu, aconteceu. Tentaremos melhorar a situação paulatinamente", diz Shevchuk, que assinou um decreto dando garantias a seu antecessor como "primeiro presidente" do Transdniéster.

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