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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

"Vamos para matar e para que não nos matem", diz soldado que participou da guerra do Afeganistão

Na foto um atirador espanhol junto com seu observador participam de uma operação da ISAF

"No Afeganistão o único passo que não mata é o que você já deu", conta um soldado espanhol que participou da missão. Legionários, paraquedistas, caçadores de montanha... os soldados da infantaria são a primeira linha do exército espanhol, os que com frequência percorrem o terreno longe da proteção das bases maiores, como Herat ou Qala i Naw. "Nada de missão de paz. Você vai lá para matar e que não o matem."

Os olhos azuis de Ángel (nome fictício) se emocionam quando fala de seu trabalho: "Eu posso contar como é essa guerra. Estive nas bases avançadas dando tiros. Além disso, não há nada". A alguns quilômetros de uma dessas bases, em Ludina, na província de Badghis, morreu em 6 de novembro passado o sargento Joaquín Moya Espejo. A última das 97 baixas que sofreu o exército espanhol na missão no Afeganistão.

A hostilidade contra as tropas espanholas se multiplicou desde que mobilizaram destacamentos ao longo das duas estradas que percorrem a província rumo a Bala Murghab, no norte, a zona mais perigosa da região. Sang Atesh, Ludina, Moqur ou Darra i Bum são os nomes de algumas das bases espanholas em zonas de domínio taleban. São os destinos mais mortíferos: depois dos acidentes aéreos do Yak-42 e do Cougar, que causaram 79 vítimas mortais, a maior parte das baixas sofridas pelo exército espanhol foi nas missões dos destacamentos nas bases avançadas.

Durante a estadia nesses postos avançados, os tiros se transformavam em rotina. Depois de dias vivendo entre sacos de terra, os soldados se habituam a ouvir os disparos que estavam a 700 ou 800 metros. É o som da guerra. De seu posto, Ángel se acostumou a procurar um alvo no fogo dos Kalashnikov: "Temos uma ladeira e não sabemos de onde vêm os tiros. De repente você para de ouvi-los". Isso é tudo. Estão mortos? Foram embora? Só feridos? Não recolhem os cadáveres, por isso nunca têm a certeza de ter causado uma baixa. Mesmo assim, Ángel reconhece que quando deixava de ouvir os tiros só tinha um pensamento: "Acabei com esse filho da puta. Um a menos".

Joaquín Moya Espejo não poderá pensar isso nunca mais. Uma bala o acertou perto da axila, em uma zona não protegida pelo colete antifragmentos que usava. As placas de cerâmica que cobriam o peito não serviram para evitar que um projétil deixasse seu filho órfão de pai. A bala era de uma arma leve, provavelmente Kalashnikov. É um fuzil de assalto desenhado na Segunda Guerra Mundial, que herdaram da ocupação soviética. Arcaico mas eficaz: as vantagens de armamento dos exércitos ocidentais se encurtam sobre o terreno. Sentem-se expostos como marionetes em um teatro de bonecos: "Temos de fazer pontaria, eles só precisavam apontar para a base". Em um desses ataques próximos demais conseguiram pegar dois taleban. Alegraram-se no quartel? "Pergunte àquele que não volta, ou ao que volta sem pernas: preferíamos que tivessem morrido."

Lembra aquele dia como um momento perigoso, mas sorri. A adrenalina vicia e mata o tédio. O pior do Afeganistão é ter tempo para pensar, para sentir saudade. Os problemas familiares, a hipoteca, a crise com a parceira, ali se vivem como últimos atos. A batalha afoga os problemas: "A única coisa que você pensa é onde está, para matá-lo". Uma droga que vicia. "Vamos atrás dele", dizia-se Ángel. "Você esquece que tem medo. Enquanto está ali disparando, a única coisa que tem na cabeça é: quero ver se pego esse maldito, que amanhã pode matar um amigo."

Esse militar não tem 25 anos, mas já participou das missões espanholas no Líbano, Kosovo e Afeganistão. Ele, como o restante de seus companheiros, só aceita falar sem nome. Nem foto nem lugares precisos nem datas. Em uma tábua do quartel onde trabalha, pendura um cartaz com uma advertência: falar sem autorização tem uma pena, a demissão. Muitos pedem que não seja revelada sua nacionalidade ou sua idade exata, para que não sejam identificados. "Olhe, é que o castigo não é uma prisão. É que o demitem. E eu vivo disto". O 11º mandamento do soldado: não falarás com jornalistas.

A missão afegã é um buraco informativo, apesar de o contingente espanhol que luta com as forças da Otan (Isaf) ter 1.552 combatentes. Com 500 mil habitantes (semelhante a Cáceres), Badghis, a região controlada pela Espanha, é uma das províncias menos atacadas pela insurgência, que se fortalece ao sul, na zona limítrofe com o Paquistão. Mas também é a mais pobre. Em algumas partes da província em que estamos trabalhando nem os afegãos querem vir", conta por telefone David Gervilla, o atual responsável pela Aecid, a Agência Espanhola de Cooperação e Desenvolvimento que realiza os programas de reconstrução da província. Durante os quatro ou cinco meses que duram os turnos, a maioria dos soldados espanhóis é destinada na base aérea de Herat, que abastece a zona oeste, ou em Qala i Naw, a capital de Badghis, a região a noroeste do país que está sob o controle da Espanha. "Estar lá é quase como em um hotel", brinca Ángel, que viveu suas estadas em Qala i Naw como umas férias.

As condições extremas do clima complicam as coisas. No Afeganistão há dois ciclos, o da natureza e o da insurgência, e um move o outro. No inverno o frio torna difícil mover-se, até para os taleban. Com o degelo chegam os ataques e as tempestades de areia, que "transformam o dia em noite" em questão de minutos. "Você vê como a nuvem de areia vai engolindo as casas e tem três minutos para apanhar tudo antes que também engula seu refúgio", lembra impressionado Luis, soldado equatoriano destacado em Qala i Naw.

"Não temos um exército capaz de manter o número de enviados", diz Jorge Bravo, presidente da Associação Unificada de Militares Espanhóis (Aume). Bravo não teme que seu nome seja publicado: "Já perdi o medo". Militar da reserva, longe vão seus primeiros seis anos no exército, quando conseguir um contrato fixo depende dos relatórios dos superiores. Também não lhe preocupa perder os complementos de dedicação especial. "A realidade é que lá se atira. Você mata e o ferem. Fazem emboscadas, não ataques preventivos."

"O ano de 2014 fica longe demais", afirma Bravo. É a data em que as forças da Otan combinaram concluir a retirada gradual das tropas, embora a Espanha comece a diminuir o número de soldados em Badghis a partir do verão de 2012, segundo anunciou na semana passada a ministra da Defesa, Carme Chacón.

Enquanto a data não chega, no Afeganistão eles apostam a vida. Na medida em que os sistemas de segurança que os exércitos usam avançam, a insurgência aumenta a carga e neutraliza a vantagem defensiva. Os Kalashnikov marcam o compasso dos ataques, mas a verdadeira arma da guerrilha é silenciosa. São os explosivos improvisados (IED), que transformam qualquer deslocamento em uma morte potencial.

Os Lince e os RG-31 desfilam nos comboios de veículos, são os dois modelos que a Defesa comprou em 2007 para aposentar os BMR. A melhora é notável, mas na hora da verdade é tudo questão de sorte. "Veja, se o atacam com fuzilaria, você pode se defender. Mas se há um IED... Isso você não consegue ver. Um dia nos apanhou um que era ativado à distância, mas [os taleban] não calcularam bem. Ele os pegou por trás e o carro saiu disparado alguns metros, mas não aconteceu nada."

"Sejamos sinceros, não somos os ianques. É que eles quase podem escolher o veículo e a arma com que querem atirar a cada vez", dizem dois jovens que voltaram do Afeganistão há mais de dois anos. A Espanha investe 0,50% do PIB em defesa; os EUA, 4,04%. "Não podemos nos comparar a eles, nem queremos: pelo que nosso país investe em defesa, não podemos nos queixar." Os americanos têm zonas de responsabilidade mais perigosas, no entanto o índice de mortalidade é proporcionalmente menor. Fazendo uma conta simples, sem levar em conta as rotações de pessoal: com um destacamento atual de 100 mil homens, o exército americano sofreu 1.500 baixas desde que começou em 2001 a missão de combate como represália pelo atentado às Torres Gêmeas. Quer dizer, uma porcentagem de 1,5%. Por outro lado, a milícia espanhola, que contribui com 1.500 enviados à missão de reconstrução da Força Internacional de Assistência para a Segurança (Isaf, controlada pela Otan desde 2003), por mandato da ONU, perdeu 97 homens: 6,4%.

Alguns soldados espanhóis invejam o equipamento dos americanos, a ponto de se comprar material através de sites da web americanos. Ángel explica que é uma prática bastante comum entre seus colegas, mas que o equipamento comprado tem de ser dissimulado ou escondido quando passam em revista, porque não é regulamentar. Ele comprou botas e várias cartucheiras para os carregadores, mas agora está pensando em comprar um capacete. "Não serve para levar tiros", resume. Segurança ou mobilidade é a orientação que se repete sempre. Os capacetes do Ministério da Defesa espanhol alongam a proteção na nuca, por isso, "ao atirar o corpo à terra e disparar, perde-se toda a visibilidade". Em mais de uma ocasião Ángel decidiu tirar o capacete apesar do perigo: "Eu vou ao Afeganistão dar tiros, se tenho que escolher entre um capacete que me cubra toda a nuca e disparar... prefiro disparar".

Sobre a chaminé do salão de sua casa, Vanessa tem uma capa de 12,7 mm. É de um dos primeiros cartuchos que disparou no Afeganistão. Fumava escondida de seus superiores, sabia que era um perigo e que descumprir uma ordem, mas são muitos os soldados que inventam maneiras de saciar o vício. Caladas furtivas, o cigarro em uma vasilha para que o fogo não os transforme em alvo fácil. Enquanto se refugiava na parte traseira do veículo, viu que algo brilhava. Entrou em alerta e talvez isso tenha salvo sua vida. Logo começaram os disparos. Vanessa é uma mulher atraente. Forte, mas pequena: "Nunca posso carregar a [metralhadora] 12.7 se não estou em um momento eufórico. É pesada demais para mim". Naquele dia a carregou pela primeira vez.

É colombiana, cerca de 30 anos. Das coisas que mais marcaram sua estada no país foi a situação das mulheres. "Eu tinha de lhes mostrar minha trança para que vissem que sou mulher, mas nem assim se acalmavam. Assim que me viam se ajoelhavam. O castigo era terrível se as vissem falando com um soldado", lembra Vanessa.

Ela entrou no exército como parte desse 9% máximo de efetivos estrangeiros que servem à Espanha. E hipócrita lutar por um país que não é o seu? "Pelo contrário, a Espanha me deu muito mais que a Colômbia." Mas o mito dos papéis pesa. Alfredo, boliviano de pouco mais de 20 anos, entrou para o exército para conseguir a nacionalidade espanhola, mas talvez tivesse seguido o mesmo caminho se ficasse na Bolívia. Nem a cerveja consegue relaxar a firmeza de seu olhar. A retidão da pose permanece intacta ao longo da entrevista, como se não soubesse fazer nada mais que ser soldado.

Gostaria de voltar ao país asiático antes da retirada das tropas em 2014. Agora na Espanha sente que quando o perigo era real havia maior confiança por parte dos superiores: "Na batalha não é preciso que lhe digam o que você deve fazer, um bom soldado o sabe. Ali a vida de quem está no comando depende da sua tanto quanto a sua dele".

O objetivo final da missão de paz é que as milícias deem a segurança necessária para construir colégios, levantar hospitais e dar aos agricultores uma alternativa ao ópio. Mas a realidade é que às vezes a corrupção não permite que o dinheiro investido chegue à população e com frequência sentem a rejeição dos se graus. Às vezes lhes atiram pedras ou tapam o nariz à sua passagem para não respirar o mesmo ar. "As pessoas esperam mais dos militares", afirma Salem Wahdat, o segundo da embaixada afegã em Madri. É um apaixonado pela língua espanhola e está convencido de que apreciarão o esforço com o tempo: "Vão dizer obrigado, pelo menos os afegãos aprenderão a dizer isso".

Os soldados são profissionais. Lutam por um salário, mas o fazem com a bandeira no uniforme. Sentem-se as cores da Espanha na frente? "Senti a vida de seu companheiro, é com eles ou você", diz Ángel. No meio estão as balas. Reconhecem que quando aperta o gatilho só pensam em voltar juntos para casa, mas acreditam que não se dá valor a seu gesto: "Não sou um símbolo, sou um soldado. Gostaria de sentir mais reconhecimento na Espanha, sentir que vou para o Afeganistão e morro porque sirvo a meus conterrâneos".

2 comentários:

  1. Simplesmente... uma porrada na cara da hipocrisia: "Estamos lá p/ Matar... Ponto Final"!!!

    É interessante a abordagem qnto ao aparelhamento disponível ao exército espanhol... Imagino q a todos membros da OTAN o caso seja o mesmo... Essa discrepância negativa de equipamentos geram proporcionalmente um n° muito maior de baixas... Façamos uma analogia ao Brasil... O Brasil quer uma vaga no CS então vai ter q arcar c/ os ônus desta... Quer dizer... ñ o Brasil mas sim os soldados brasileiros...

    Falow

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  2. Não necessariamente. Rússia e China integram o CS e não entram em guerras com a OTAN por motivos óbvios.

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