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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Lev Raphael, escritor e filho de sobreviventes do Holocausto, conta sua relação com a Alemanha

Lev Raphael, escritor nascido em Nova York e filho de sobreviventes do Holocausto, não tinha nada a não ser um ódio instintivo pela Alemanha até fazer uma visita ao país há alguns anos. Ele escreveu um livro de memórias sobre essa mudança de atitude, “Minha Alemanha”, e este outono volta às cidades alemãs antes assustadoras para lançar seu livro.

Memorial do Holocausto, em Berlim (Alemanha)
Spiegel Online: O que aconteceu a seus pais durante a 2ª Guerra Mundial?

Lev Raphael:
Os dois falavam alemão, mas minha mãe era polonesa e meu pai era tcheco. Os soldados da ocupação nazista confinaram minha mãe ao Gueto de Vilna (hoje Vilnius na Lituânia), e depois a transferiram para campos de concentração perto de Riga e Danzig até que ela foi enviada como escrava para um campo de trabalho em Magdeburg (no leste da Alemanha). Meu pai foi perseguido por fascistas húngaros como escravo antes de ser enviado para Bergen-Belsen. Eles se encontraram num campo de refugiados alemão depois da guerra, e foram para a Bélgica depois de um mês ou mais.

Spiegel Online: Você cresceu numa atmosfera de repúdio por tudo o que era alemão, e durante a maior parte de sua vida você nunca colocaria os pés no país.

Raphael:
Eu cresci com essa imagem da Alemanha como a fonte de todo o mal do mundo, então achava que até mesmo cruzar a fronteira era um anátema para mim. Nós nunca compramos produtos alemães, nem mesmo algo tão simples quanto um disco da Deutsche Grammophon. Meus pais adoravam música, mas nunca compravam discos da Deutsche Grammophon. A ironia é que vivíamos num bairro judeu-alemão – Washington Heights em Nova York, que na época era chamado de Frankfurt do Hudson. Então eu ouvia alemão ao meu redor. Mas de certa forma era capaz de dissociar aquilo das experiências pessoais de meus pais.

Spiegel Online: Como a Alemanha o surpreendeu quando você finalmente cruzou a fronteira?

Raphael:
O que me surpreendeu primeiro foi minha própria reação – me senti muito mais como um norte-americano do que como um filho de sobreviventes do Holocausto. Mas tampouco posso imaginar nada mais maravilhoso do que ser um escritor em turnê na Alemanha. O público o trata diferentemente do que o tratam nos EUA; você é levado a sério. Também acho as pessoas muito abertas em relação a suas próprias dificuldades com o passado da Alemanha, e como ele as afetou pessoalmente. É uma cultura mais intelectual do que a cultura norte-americana no geral, então as pessoas discutem as coisas com mais profundidade.

E minha orientação sexual não é um problema. Em comparação aos EUA puritanos, isso é muito bom. E. M. Foster, que também era gay, disse que os anglo-saxãos nunca aceitaram as realidades da natureza humana.

Acho que ainda existe uma crença cliché nos Estados Unidos que diz: “os alemães não se defrontaram de fato com a 2ª Guerra Mundial”. E eu digo: “você já foi a Berlim?” Já viu quantos museus e memoriais existem lá? Se você quiser um exemplo de um país que não enfrentou seu passado de fato, que tal o Japão? Que tal até mesmo a França, que parece ter muito mais dificuldade em encarar sua cumplicidade com os nazistas? Então me encontro numa posição estranha defendendo a Alemanha contra pessoas que dizem: “Ah, eles não mudaram”. É uma cultura muito diferente hoje. O militarismo que de fato não morreu em 1918 foi-se há muito tempo.

Spiegel Online: Mas a imagem persiste.

Raphael:
Um jovem judeu que eu conheço que mora e trabalha na Alemanha ficou sabendo por amigos judeus que ele é um “traidor”. Uma estudante universitária que estava presente no meu lançamento no Instituto Goethe em Washington, D.C., disse se sentir ignorada por sua família e membros de sua sinagoga porque estava estudando alemão.

Pessoalmente, eu estou ansioso para estar na Alemanha e fazer aulas de alemão. Ambas as coisas eram tabus (para mim). Eu estou mais relaxado agora num nível bastante profundo.

Spiegel Online: Você viu exemplos da velha e intolerante Alemanha vindo à tona, talvez com as declarações públicas sobre muçulmanos e estrangeiros por parte de figuras como Thilo Sarrazin?

Raphael:
Eles podem se irritar, mas isso é rapidamente atacado pelo establishment político e pela mídia.

Spiegel Online: Sua turnê de lançamento neste outono começa em Magdeburg, onde sua mãe ficou presa num campo de concentração.

Raphael:
Eu fui lá duas vezes e achava que ia surtar, mas em vez disso me senti estranhamente confortável, o que é uma resposta esquisita. Significou muito estar em um lugar que foi parte da vida da minha mãe de uma forma tão profunda, e eu também estava lá como escritor norte-americano que transformou a experiência da minha geração em parte de sua obra. Ainda é um cenário impressionante: minha mãe era uma escrava na cidade que visitei décadas mais tarde. Ela sobreviveu. Eu floresci.

Spiegel Online: Você escreve que vir à Alemanha o ensinou a ser grato por sua herança antes de mais anda.

Raphael:
É uma coisa muito estranha. Conversar com pessoas que são atormentadas por nazistas em seu passado familiar me fez pensar: “eu não tenho que experienciar isso, sou muito sortudo”. Esta foi uma experiência inesperada. Se você coloca lado a lado o neto de um carrasco, e o filho ou neto de uma vítima, quero dizer – quem você preferiria ser?

Spiegel Online: Ao mesmo tempo, você escreve que os alemães tiveram o luxo de uma terra natal. E algumas famílias são extremamente antigas aqui, mas você se sente sem raízes, exatamente por causa do Holocausto.

Raphael:
Minha editora em Berlim (de um livro anterior) me levou para Ulm, e na Catedral de Ulm existem registros dos casamentos de sua família há cerca de várias centenas de anos. Esse tipo de coisa me surpreende. Por que nossos registros foram destruídos.

Spiegel Online: Mas você não necessariamente preferiria o luxo de ter uma terra natal antiga pelo mesmo custo moral.

Raphael:
Bem – provavelmente não. Você tem razão. Se eu tivesse que fazer esta escolha, eu provavelmente não faria. Mas ainda posso sentir nostalgia por isso.

Spiegel Online:
Você acha que seus pais poderiam ter passado pela mesma transformação que você passou, ou você acha que o processo é uma questão de derrubar ideias herdadas?

Raphael: Há uma separação que não pode ser preenchida, mas você pode tentar atravessá-la. Tudo foi muito mais imediato para os meus pais, não sei se eles poderiam ter chegado ao mesmo lugar. Para mim foi tudo entregue.

Spiegel Online:
Você usa a palavra perdão?

Raphael:
Nunca. Não. Eu só uso a palavra reconciliação. E mesmo isso é ir longe demais para algumas pessoas na comunidade judaica.

Spiegel Online:
Eva Mozes Kor, que sobreviveu a experimentos genéticos do Dr. Mengele em Auschwitz, usa essa palavra. Ela diz que perdoou Mengele.

Raphael: Certo, e não posso criticá-la. É a experiência dela, e ela tem o direito de fazer o que quiser. Por outro lado, eu nunca diria a um sobrevivente: “você precisa falar sobre o que aconteceu a você”. Não posso aconselhar nada para sobreviventes, ou filhos de sobreviventes. Só posso descrever minha própria jornada, que foi uma verdadeira surpresa para mim.

Spiegel Online:
Sr. Raphael, obrigado por esta entrevista.

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